Quem sou eu
- Alex de Souza
- Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
12.19.2011
Falsa croniqueta para disfarçar a angústia
Bêbado só faz merda.
A noite seguia animada em volta da mesa de bilhar. Os tacos pareciam guiar os jogadores ao redor do jogo – e não o contrário. Sobre a mesa, pratos engordurados com restos de macaxeira e a graxa do bode dividiam espaço com o cinzeiro quase tão grande quanto um prato, lotado de bitucas de cigarro. A única coisa meticulosamente organizada no recinto eram as filas de garrafas vazias encostadas na parede.
Conversaram sobre tudo e mais um pouco: o último filme que tinham visto, umas fofocas sobre os amigos, um livro que falava sobre a Ribeira de antigamente, a incrível atração que todo adolescente metido a doidão tem pelo The Doors, lugares para visitar em viagens que nunca fariam. Envolvidos pelo papo, nem notaram quando o Cadu foi embora sem deixar nem um puto para a conta, ou quando a Nina e o Gilberto escaparam para dar uma no banheiro e quase foram tocados para fora do bar pelo garçom.
Da conversa passaram aos beijos como se fosse a etapa mais natural a ser cumprida. Ele sentia prazer em passar a mão sobre o joelho dela enquanto aspirava o perfume de seu cangote. Ela gostava de abraçá-lo pelas costas, alisando seu peito, a cada vez que ele se virava para pegar uma cerveja.
À medida que avançava a madrugada, diminuía o número de carros em alta velocidade avistados pela janela do primeiro andar onde ficava a espelunca. O número de mesas ocupadas, entretanto, crescia lentamente, com os demais bares da cidade encerrando a jornada. O álcool já batia pesado nas mentes, nas pestanas e nas línguas de todos, embargando palavras, interrompendo sentenças, promovendo cochilos.
Por volta das três da manhã, um velho disco do Pink Floyd tocava uma canção sobre duas almas perdidas num aquário. Ele virou-se rapidamente para os lados, para conferir se tinha mais alguém prestando atenção, fitou os olhos pontiagudos dela e disparou: ‘Te amo’. Ela continuou mirando-o com aqueles olhos capazes de afundar um transatlântico e sorriu.
Ele se levantou para pegar mais uma cerveja no balcão. Quando voltou, ela não estava mais lá. Tinha partido rumo ao primeiro ônibus da manhã ou a um táxi. O que passasse primeiro.
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
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