Quem sou eu

Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.

6.01.2012

Leituras - Wolfe

Dois meses e meio sem dar as caras por aqui. Muitas leituras, muita preguiça, uma dengue e falta do que dizer a vocês, meus quatro leitores do coração, motivaram essa ausência. 


Porém, o fato de ainda não ter nada a dizer-lhes, não significa que outros caras não possam mandar aquele plá. Seguem uns trechos de coisas que li - e alguns comentários a título de ilustração. 

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WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Todo mundo conhece uma forma de competição entre repórteres de jornal, a competição pelo furo jornalístico. Repórteres de furo competiam com suas contrapartidas em outros jornais, ou nas agências de notícias, para ver quem conseguia primeiro uma matéria e escrevia mais depressa; quanto mais importante a matéria - isto é, quanto mais ela tivesse a ver com o poder ou com catástrofes -, melhor. [...] Mas havia também aquela outra turma de repórteres... Esses tendiam a ser conhecidos como "escritores de reportagens especiais". (p. 13)

"Reportagens especiais" era a expressão jornalística para uma matéria que escapava à categoria da notícia pura e simples. Abrangia tudo, desde pequenos fatos "divertidos", engraçados, geralmente do movimento policial... [...] até "histórias de interesse humano", relatos longos e geralmente hediondamente sentimentais sobre almas até então desconhecidas colhidas pela tragédia ou sobre hobbies estranhos dentro da área de circulação da folha... Em todo caso, as reportagens especiais davam ao sujeito certo espaço para escrever. (p. 13)

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Ligações evidentes aqui com os traços sociais e ideológicos do campo jornalístico apontados por Nelson Traquina em Teorias do Jornalismo - vol. 2: A tribo jornalística, como a glamourização do furo promovida pelo imediatismo que norteia a profissão. 

Esse mesmo imediatismo promove a valorização daqueles que desempenham melhor os saberes práticos necessários. Ainda que a definição sobre o que seja a notícia continue nebulosa entre os profissionais, como aparece no texto de Wolfe (fragilidade observada por Traquina), a reportagem especial busca fugir àquilo que Traquina chamou de valores-notícia - que tendem a mobilizar os outros setores da redação. 

Mais à frente, Wolfe explica que, ainda que o valor do furo não estivesse em disputa nas relações de status dos repórteres 'especiais', havia sim competição entre eles, baseada na qualidade ou no exotismo do relato. Aqui, levava-se em consideração valores ideológicos da profissão, como o do sacrifício pela notícia. 

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E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa ideia nova, quente o bastante para inflamar o ego, começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance. (p. 19)

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Olha que legal. Os anos 60, como sabemos, marcaram a explosão do movimento hippie, em que, pela primeira vez, a contracultura se tornava um movimento de massas. Essa revolução de costumes e suas consequências serviram como tema e, também, motor do chamado 'Novo Jornalismo'. Esse grupo de repórteres vai encontrar nesse contexto vasto material humano para suas reportagens. Vários exemplos comprovam essa afirmação: The kandy-colored tangerine-flake streamline baby (Wolfe), Hell's Angels, Fear and loathing in Las Vegas (Thompson), Dispatches (Herr e a Guerra do Vietnã psicodélica), as reportagens de Didion.

Essa valorização da reportagem como literatura, a apropriação do romance pelo gênero jornalístico e a alteração da balança do status quo numa área numa expressão artística em que a reportagem sequer era considerada - por sua vez - apresentam forte influência contracultural. O questionamento às autoridades (no caso, ao status quo) e a democratização da informação (ao se apropriar e legitimar o uso de técnicas literárias para uma atividade considerada não-literária, como o jornalismo) são traços claros da contracultura apontados por Goffman & Joy em Contracultura através dos Tempos. 

Um comentário:

Laris. disse...

bem que esse seu comentário poderia vir na contra capa do livro, nera? =P