Quem sou eu
- Alex de Souza
- Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
6.27.2012
Sobre blogs e jornalistas
Tenho acompanhado nos últimos tempos umas tretas envolvendo jornalistas e blogueiros potiguares que, se observadas atentamente, podem revelar uns indícios interessantes de como se dão as relações entre profissionais da imprensa.
Primeiro, um pouco de contexto. No Brasil, consolidou-se um sentimento de categoria entre os jornalistas cujo elemento central, nos últimos anos, passa pela ridícula defesa de uma tal obrigatoriedade de diploma universitário para o exercício profissional.
Jornalista é um bicho engraçado. Ele tenta, há mais ou menos uns 150 anos, justificar a existência do que faz como um campo profissional específico. Esse também é o tempo que esses profissionais tentam, sem sucesso, definir o que realmente fazem.
Pergunte para 20 jornalistas 'o que é notícia' e, se ninguém tiver lido algum livro sobre o assunto nos últimos 15 dias (o que ninguém realmente fez), você terá 20 respostas diferentes, e em várias delas esse vai ser um conceito bem frouxo – o que significa que essa deficiência não tem muito a ver com a qualidade da formação acadêmica recebida (afinal, nem todo mundo teve uma graduação fuleira como a minha).
Como resultado dessa inconsistência, tenta-se compensá-la por outros meios, como a balela ideológica de que o jornalismo é um 'serviço público em defesa do cidadão' – faceta que raramente se concretiza na prática diária. No Brasil, essa equação ganha um complemento com uma forte cultura corporativista.
Há 45 anos, a Lei de Imprensa, criada pela ditadura militar, inventou a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. Como o regime tinha o controle sobre as universidades, era uma maneira de manter sob supervisão direta os futuros profissionais responsáveis por reportar à sociedade as ações dos generais.
A derrubada da obrigatoriedade pelo STF, há 3 anos, reacendeu o combalido espírito de luta dos jornalistas brasileiros, uma vez que salários e condições de trabalho não são problemas em nosso país.
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Aqui vale uma ressalva acerca do curso: é evidente que a passagem pela universidade possibilita uma melhor formação profissional. Como certa vez argumentou um amigo, um curso superior é como um guia de leitura – ajuda a tornar o caminho mais curto. Mas essa é uma questão que diz respeito a cada um, não pode ser tomada como pré-requisito para entrada no mercado de trabalho. Pelo menos, não no caso do jornalista e de boa parte das profissões ligadas às ciências humanas. Se acesso à informação é direito fundamental do cidadão, por que informar deve ser prerrogativa exclusiva de algum profissional?
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Estabeleceu-se, assim, um sentimento de clubinho entre os profissionais da imprensa muito comum, por exemplo, a campos profissionais mais tradicionais e conservadores como o direito e a medicina. Interessante notar como, especificamente no caso do Rio Grande do Norte, isso se manifesta na relação dos jornalistas profissionais com seus 'companheiros' do meio digital, os blogueiros.
Citarei alguns episódios e farei referências a nomes dos envolvidos. De antemão, alerto que não se trata de recriminação a quaisquer deles em particular, mas apenas a necessidade de ilustrar um quadro geral de práticas e relações que chamaram a atenção.
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Há um tempo, um conhecido empreendedor natalense, Bruno Giovanni, resolveu montar um blog jornalístico, seguindo uma fórmula já caduca no jornalismo potiguar: o uso indiscriminado da tesoura press e de uma agenda recheada de contatos 'quentes', ou seja: da fina burguesia com quem ele convive diuturnamente. Trocando em miúdos, resolveu fazer o que 78,9% das colunas noticiosas dos veículos da grande imprensa e 98,7% dos blogs jornalísticos da calipígica Natal fazem.
Confesso que, nos primeiros dias, não me contive em tirar uma casquinha e malhar o cara. Afinal, quem esse rapaz pensa que é para criar um blogue e sair por aí dando uma de jornalista fodão, sem nunca ter pisado numa redação na vida, ou ter estudado para isso (e olha que eu nem sabia se ele era jornalista formado ou não – aliás, nem sei)? Vi esse tipo de atitude em vários colegas que trabalham em redação e culminou com um (pra variar) bem-humorado artigo de Carlos Fialho sobre os erros de ortografia perpetrados pelo BG. Artigo, por sinal, louvado à exaustão.
Depois, pensando bem, percebi que, guardadas as devidas proporções e respeitando as particularidades de cada um, em que o Blog do BG se diferencia de outros blogs mantidos por jornalistas 'de verdade e de direito' como Thaisa Galvão, Ricardo Rosado, Eliana Lima, Túlio Lemos, Leonardo Sodré, Carlos A. Barbosa (cito amigos, conhecidos e desconhecidos sem distinção pra todo mundo poder ficar com raivinha) entre dezenas de outros, se as práticas editoriais deles na maioria dos casos são iguais?
Quer dizer, quais deles são realmente 'produtores de conteúdo' (como está na moda hoje) em vez de 'entulhadores de conteúdo' (essa é minha), salvo as exceções de praxe numa postagem aqui e acolá? Talvez o problema, para os coleguinhas sangue-puro, esteja não exatamente nas postagens meio sem noção do Blog do BG, mas nos diversos anúncios colocados entre elas...
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Ontem, o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte (Sindjorn) emitiu uma nota de repúdio em solidariedade aos jornalistas-blogueiros Thaisa Galvão e Ricardo Rosado, atacados em seu 'dever de informar o público' por outra nota de repúdio assinada pela Associação dos Magistrados do RN (Amarn) – que, por sinal, reclama de uma 'violação às prerrogativas da magistratura' por parte dos jornalistas.
Essa merece uma vista d'olhos à parte. Primeiro, me parece evidente que a nota do Sindjorn só nasceu para rebater a outra. Um lance meio que rinha de galo entre entidades profissionais, do tipo 'meu repúdio é maior que o seu'. Segundo, a pobre da Thaisa Galvão entrou de gaiata nessa: ela só reproduziu o material publicado pelo Fator RRH, o que deveria ter motivado a inclusão aí de mais uns 40 blogueiros na nota. Tem ainda o interessante desapreço das entidades representativas dos juízes e jornalistas pelo uso correto da norma culta da língua portuguesa – instrumento do qual tiram o pão de cada dia. Mas essa polêmica deixo para os linguístas (v. Novo Acordo Ortográfico) de plantão.
Fiz um breve levantamento (vulgo 'dei uma googlada') das últimas notas de repúdio emitidas pelo Sindjorn. É sintomático que tive de recorrer ao Google em busca dessa informação justo porque o site do Sindjorn encontra-se fora do ar e seu perfil no Twitter esteja inativo (ora, ora) desde que o STJ derrubou a obrigatoriedade do diploma, em 2009.
Localizei sete delas no período entre 2010 e 2011. Parece que a resposta à Amarn é a abrideira de 2012. Seis delas foram em defesa de jornalistas ameaçados ou cerceados durante o exercício profissional. Todos profissionais de veículos tradicionais da mídia (TV, rádio, jornal). A restante, e a mais justificada, sobre o assassinato do radialista caicoense F. Gomes.
Logo, a nota envolvendo Rosado e Galvão é a primeira da entidade em defesa de blogueiros, ou 'jornalistas digitais'. Antes dessa, apenas a nota de setembro de 2010 faz referência a episódio envolvendo Zenaide Castro do portal Nominuto.
Os três, jornalistas 'de verdade e de direito': o primeiro foi professor de 80% dos profissionais existentes na praça; Thaisa Galvão tem mais de 20 anos de trabalho nas costas e passou por grandes redações de Natal (e me perdoem aqui pelo paradoxo de emendar 'grandes' e 'Natal' na mesma sentença). Zenaide trabalhava numa empresa jornalística voltada para internet, criada e mantida por jornalistas formados.
No entanto, casos anteriores envolvendo blogueiros de menor porte e envergadura não mereceram atenção da entidade no mesmo período. Primeiro, tivemos em 2010 a agressão ao jornalista Alisson Almeida pelo colega de profissão Eugênio Bezerra, que à época ocupava uma subsecretaria na prefeitura da capital. Para além de uma rixa pessoal, houve uma motivação política no caso, devido às críticas recorrentes de Almeida à gestão da qual Bezerra fazia parte.
Outra situação em que o Sindjorn silenciou foi durante uma estranha perseguição sofrida pelo jornalista Daniel Dantas Lemos, este ano, após ele divulgar gravações referentes ao que ele próprio batizou como Caixa 2 do DEM, em que figuras proeminentes no atual Poder Executivo combinavam valores a pagar durante a campanha eleitoral de 2006.
Aqui, mais um adendo. O assunto, quentíssimo, inexiste na 'imprensa oficial' potiguar e parece ser de propriedade exclusiva da blogosfera. A única referência, torta, surgiu na Tribuna do Norte, porém o cerne da abordagem limitava-se a auto-defesa do Ministério Público sobre a natureza dos vazamentos. Sobre o caso em si, necas. No RN, ainda impera a lógica de 'se não saiu na Globo, não existe'.
Por fim, o Sindicato calou vergonhosamente sobre o assassinato do blogueiro Edinaldo Filgueira, no município de Serra do Mel. Independente de ser uma rixa partidária que passou para o plano pessoal, dá para acreditar que Filgueira teria sido assassinado se não usasse seu blog como veículo para suas opiniões e para informar, a seu modo, a população de sua cidade? Em que isso não seria jornalismo? Seria o fato de ele não trabalhar para um veículo? De não ter diploma? Isso não é um pouco menor do que o sacrossanto 'direito à informação e à liberdade de expressão'? Pois é.
Em que a morte de Edinaldo Filgueira é menor que a de F. Gomes?
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No geral, há, no clubinho dos profissionais da imprensa, uma visão negativa e excludente em relação aos blogs de cunho jornalístico e àqueles que os fazem mesmo sendo de fora da turma. No RN, essa animosidade contra o BG e o comportamento institucional do sindicato da categoria são indícios desse comportamento.
Talvez seja uma reação ao ambiente de instabilidade e incerteza instaurado pela explosão do acesso às redes digitais. O mais evidente deles é em relação à receita que mantém os veículos e paga o salário da galera. Se esse dinheiro for parar em outros cantos e se pulverizar, quem vai segurar a onda?
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O que se deveria realmente temer em relação à internet é a radicalização do fetiche da velocidade no trabalho jornalístico. A necessidade de se 'produzir conteúdo' cada vez mais rápido para alimentar blogs, portais e quetais vem matando a galinha dos ovos de ouro ideológico do jornalismo: o 'compromisso com a verdade dos fatos'.
Que fatos: aqueles repassados pela assessoria sobre um assunto que você nem entende, nem tem tempo de ir atrás de alguém que lhe explique o que significa? Ou aquele que explode na sua caixa de e-mail ou do outro lado do seu celular e que você precisa publicar o quanto antes, mas o ideal seria levantar seu rabinho da cadeira e dar uma volta para verificar a informação?
Retomando o gancho desse artigo, há algo no caso Sindjorn x Amarn algo que passou ao largo. Ricardo Rosado errou ao publicar o texto que motivou a primeira nota. Não porque tenha envolvido o tal juiz e sua mulher, até porque 90% desses caras do Judiciário são babacas empedernidos que se acham intocáveis (pena que não seja no sentido hindu do termo). Ele errou porque publicou primeiro para depois checar – ou como parece ser regra agora: abrir espaço para a outra parte se defender.
Apontar o erro é desumano, mas todo mundo erra. Durante o exercício da profissão, já matei até quem tava vivo – o que, convenhamos, é muito pior do que dar um tirinho de leve na reputação de um magistrado. Então, nenhuma vergonha sobre Rosado por isso. Mas é preciso entender que, dentro da lógica atual do mercado de notícias, o que ele fez foi bem justificável.
Afinal, era uma informação quente, que atingia indiretamente um player de peso nas próximas eleições (o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves) e que poderia muito bem, a qualquer momento, ser publicada por algum outro blogue com incontinência noticiosa. Além do mais, rendeu várias postagens posteriores com desmentidos e rementidos, e repercussão pesada na blogosfera potiguar.
Pena que, no caminho, estejamos deixando para trás a única coisa que justifica a nossa existência como campo profissional: a nossa ideologia para pegar bestas.
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O mais engraçado de tudo? A única postagem que vi apontando o erro de Rosado foi no Blog do BG. O cara que não sabe escrever direito.
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
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3 comentários:
pessoal, as partes do artigo referentes à velocidade do jornalismo digital têm base no livro 'Jornalismo em tempo real - O fetiche da velocidade', de Sylvia Moretzsohn, Editora Revan, 2002.
Gostei, alex, "incontinencia noticiosa" e "entulho de conteúdo" vc tem que patentear. Hoje descobri o BG...abçs
registrar aqui um quadrilhão de desculpas a Zenaide Castro, ex-colega do Nominuto, a que chamei de 'Zoraide' na segunda vez em que citei o nome dela no artigo. Ato falho do caralho (pra rimar).
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