Vamos ao nosso segundo round.
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WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
De qualquer modo, [Jimmy] Breslin fez uma descoberta revolucionária. Descobriu que era possível um colunista efetivamente sair do prédio, ir para a rua e fazer uma reportagem com suas próprias e legítimas pernas. [...] Por mais óbvio que pareça, esse sistema era algo inusitado entre colunistas de jornal, locais ou nacionais. Se é que é possível, colunistas locais são ainda mais patéticos. Em geral começam cheios de energia, soando como tremendos homens da rua e narradores, recontando em letra de imprensa todas as maravilhosas mots e anedotas que vêm babando no almoço durante os últimos anos. Depois de oito ou dez semanas, porém, começam a secar. [...] Estão sem assunto. Começam a escrever sobre coisas engraçadas que aconteceram em casa outro dia, gracinhas domésticas da Cara-Metade ou da moça da Avon, ou algum livro ou artigo fascinante que lhes deu o que pensar, ou alguma coisa que viram na televisão. Demos graças a Deus pela televisão! Sem os programas de televisão para canibalizar, metade dessa gente estaria perdida, totalmente catatônica. (p. 23-24)
Breslin tornou uma prática sua chegar ao local muito antes do evento principal, a fim de coletar material por trás das câmeras, o jogo da sala de maquiagem, que lhe permitia criar personagens. (p. 26)
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Já trabalhou na imprensa? Então esse cenário não lhe é estranho. Vi muito isso - e como o jornalismo de coluna era previsível e enfadonho - na imprensa potiguar. Aqui, na Paraíba, como não tenho obrigação profissional de acompanhar os jornais locais, nem faço questão de observar. Apesar disso, é considerado o suprassumo em questão de status profissional. Seu nome tá lá todo dia, sendo louvado pelos seus pares, mas basta um pouco de semancol para se perceber que, para estar morto, só faltou o enterro.
O modus operandi de Breslin acabou virando uma regra de ouro do jornalismo criativo (ou literário, como queiram) - na verdade, todos os caras faziam isso, mas ele inovou ao levar a técnica para a coluna.
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Os literatos ignoravam esse lado do Novo Jornalismo, porque faz parte das suposições da crítica moderna que esse material cru simplesmente está "lá". É "dado". [...] A noção moderna de arte é essencialmente religiosa ou mágica, e segundo ela o artista é visto como uma fera sagrada que, de alguma forma, grande ou pequena, recebe relances da divindade conhecida como criatividade. (p. 27)
É difícil explicar como era esse artigo. Era um bazar de quintal, esse texto... vinhetas, retalhos de erudição, trechos de memórias, breves explosões de sociologia, apóstrofes, epítetos, gemidos, risos, qualquer coisa que me viesse à cabeça, grande parte jogada de um jeito áspero e deselegante. [...] O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. [...] Era a descoberta de que era possível na não-ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência [...]. (p.28)
Gostava da ideia de deixar o leitor, via narrador, falar com os personagens, intimidá-los, insultá-los, provocá-los com ironia ou condescendência, ou seja lá o que for. Por que o leitor teria de se limitar a ficar ali quieto e deixar essa gente passar num tropel como se sua cabeça fosse a catraca do metrô? [...] Escrevia sobre mim mesmo na terceira pessoa, geralmente como um espectador perplexo ou alguém que estava no caminho, o que acontecia com frequência. [...] qualquer coisa para não aparecer o narrador de não-ficção comum, com voz velada, como o narrador de uma partida de tênis pelo rádio. (p. 31)
A voz do narrador, na verdade, era um dos maiores problemas na escritura de não-ficção. [...] O negócio era o understatement [discrição]. [...] o problema é que no começo dos anos 60 o undestatement havia se transformado numa verdadeira mortalha. [...] Isso nada tinha a ver com objetividade e subjetividade, ou com assumir uma posição ou "compromisso" - era uma questão de personalidade, de energia, de tendência, de bravura.... numa palavra, de estilo... (p. 32)
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Wolfe fala descreve algumas técnicas literárias utilizadas em suas reportagens, mas antes retoma a questão da alteração no status quo promovida pelo Novo Jornalismo. O que chama a atenção é a quantidade de técnicas distintas encadeadas em textos relativamente curtos. Revela um certo maneirismo do autor, como aqueles músicos virtuoses que desfiam centenas de notas em questões de segundos.
A palavra que me vem à mente é bricolagem. Essas aspecto artesanal, de combinar elementos que estão à mão, esse bricoleur contemporâneo emprestado de Lévi-Strauss, como quer Traquina, são comuns tanto ao jornalista quanto ao autor cyberpunk, basta lembrar do motto do movimento: 'A rua encontra seus usos para a tecnologia'.
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Eles estavam indo além dos limites convencionais do jornalismo, mas não apenas em termos de técnica. O tipo de reportagem que faziam aprecia muito mais ambicioso também para eles. Era mais intenso, mais detalhado e sem dúvida mais exigente em termos de tempo do que qualquer coisa que repórteres de jornais e revistas, inclusive repórteres investigativos, estavam acostumados a fazer. [...] Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os detalhes do ambiente. (p. 37)
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Uma questão me veio lendo esse trecho. Vivemos numa época de ubiquidade dos dispositivos de comunicação. Os celulares, tablets, câmeras de segurança e quetais estão por toda parte. Os fatos de quase toda natureza podem facilmente cair no alcance do público a qualquer momento, muitas vezes por diferentes ângulos, com imagem e som. Nesse domínio audiovisual da informação, em que a imagem se propõe irrefutável (mesmo nãos endo), como tornar o texto relevante? Seria o resgate desse enfoque do Novo Jornalismo uma saída?
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