Quem sou eu
- Alex de Souza
- Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
6.28.2012
resposta
Nosso artigo de ontem rendeu uma resposta do jornalista Carlos A. Barbosa, que mantém o Blog do Barbosa. Confiram.
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
6.27.2012
Sobre blogs e jornalistas
Tenho acompanhado nos últimos tempos umas tretas envolvendo jornalistas e blogueiros potiguares que, se observadas atentamente, podem revelar uns indícios interessantes de como se dão as relações entre profissionais da imprensa.
Primeiro, um pouco de contexto. No Brasil, consolidou-se um sentimento de categoria entre os jornalistas cujo elemento central, nos últimos anos, passa pela ridícula defesa de uma tal obrigatoriedade de diploma universitário para o exercício profissional.
Jornalista é um bicho engraçado. Ele tenta, há mais ou menos uns 150 anos, justificar a existência do que faz como um campo profissional específico. Esse também é o tempo que esses profissionais tentam, sem sucesso, definir o que realmente fazem.
Pergunte para 20 jornalistas 'o que é notícia' e, se ninguém tiver lido algum livro sobre o assunto nos últimos 15 dias (o que ninguém realmente fez), você terá 20 respostas diferentes, e em várias delas esse vai ser um conceito bem frouxo – o que significa que essa deficiência não tem muito a ver com a qualidade da formação acadêmica recebida (afinal, nem todo mundo teve uma graduação fuleira como a minha).
Como resultado dessa inconsistência, tenta-se compensá-la por outros meios, como a balela ideológica de que o jornalismo é um 'serviço público em defesa do cidadão' – faceta que raramente se concretiza na prática diária. No Brasil, essa equação ganha um complemento com uma forte cultura corporativista.
Há 45 anos, a Lei de Imprensa, criada pela ditadura militar, inventou a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. Como o regime tinha o controle sobre as universidades, era uma maneira de manter sob supervisão direta os futuros profissionais responsáveis por reportar à sociedade as ações dos generais.
A derrubada da obrigatoriedade pelo STF, há 3 anos, reacendeu o combalido espírito de luta dos jornalistas brasileiros, uma vez que salários e condições de trabalho não são problemas em nosso país.
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Aqui vale uma ressalva acerca do curso: é evidente que a passagem pela universidade possibilita uma melhor formação profissional. Como certa vez argumentou um amigo, um curso superior é como um guia de leitura – ajuda a tornar o caminho mais curto. Mas essa é uma questão que diz respeito a cada um, não pode ser tomada como pré-requisito para entrada no mercado de trabalho. Pelo menos, não no caso do jornalista e de boa parte das profissões ligadas às ciências humanas. Se acesso à informação é direito fundamental do cidadão, por que informar deve ser prerrogativa exclusiva de algum profissional?
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Estabeleceu-se, assim, um sentimento de clubinho entre os profissionais da imprensa muito comum, por exemplo, a campos profissionais mais tradicionais e conservadores como o direito e a medicina. Interessante notar como, especificamente no caso do Rio Grande do Norte, isso se manifesta na relação dos jornalistas profissionais com seus 'companheiros' do meio digital, os blogueiros.
Citarei alguns episódios e farei referências a nomes dos envolvidos. De antemão, alerto que não se trata de recriminação a quaisquer deles em particular, mas apenas a necessidade de ilustrar um quadro geral de práticas e relações que chamaram a atenção.
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Há um tempo, um conhecido empreendedor natalense, Bruno Giovanni, resolveu montar um blog jornalístico, seguindo uma fórmula já caduca no jornalismo potiguar: o uso indiscriminado da tesoura press e de uma agenda recheada de contatos 'quentes', ou seja: da fina burguesia com quem ele convive diuturnamente. Trocando em miúdos, resolveu fazer o que 78,9% das colunas noticiosas dos veículos da grande imprensa e 98,7% dos blogs jornalísticos da calipígica Natal fazem.
Confesso que, nos primeiros dias, não me contive em tirar uma casquinha e malhar o cara. Afinal, quem esse rapaz pensa que é para criar um blogue e sair por aí dando uma de jornalista fodão, sem nunca ter pisado numa redação na vida, ou ter estudado para isso (e olha que eu nem sabia se ele era jornalista formado ou não – aliás, nem sei)? Vi esse tipo de atitude em vários colegas que trabalham em redação e culminou com um (pra variar) bem-humorado artigo de Carlos Fialho sobre os erros de ortografia perpetrados pelo BG. Artigo, por sinal, louvado à exaustão.
Depois, pensando bem, percebi que, guardadas as devidas proporções e respeitando as particularidades de cada um, em que o Blog do BG se diferencia de outros blogs mantidos por jornalistas 'de verdade e de direito' como Thaisa Galvão, Ricardo Rosado, Eliana Lima, Túlio Lemos, Leonardo Sodré, Carlos A. Barbosa (cito amigos, conhecidos e desconhecidos sem distinção pra todo mundo poder ficar com raivinha) entre dezenas de outros, se as práticas editoriais deles na maioria dos casos são iguais?
Quer dizer, quais deles são realmente 'produtores de conteúdo' (como está na moda hoje) em vez de 'entulhadores de conteúdo' (essa é minha), salvo as exceções de praxe numa postagem aqui e acolá? Talvez o problema, para os coleguinhas sangue-puro, esteja não exatamente nas postagens meio sem noção do Blog do BG, mas nos diversos anúncios colocados entre elas...
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Ontem, o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte (Sindjorn) emitiu uma nota de repúdio em solidariedade aos jornalistas-blogueiros Thaisa Galvão e Ricardo Rosado, atacados em seu 'dever de informar o público' por outra nota de repúdio assinada pela Associação dos Magistrados do RN (Amarn) – que, por sinal, reclama de uma 'violação às prerrogativas da magistratura' por parte dos jornalistas.
Essa merece uma vista d'olhos à parte. Primeiro, me parece evidente que a nota do Sindjorn só nasceu para rebater a outra. Um lance meio que rinha de galo entre entidades profissionais, do tipo 'meu repúdio é maior que o seu'. Segundo, a pobre da Thaisa Galvão entrou de gaiata nessa: ela só reproduziu o material publicado pelo Fator RRH, o que deveria ter motivado a inclusão aí de mais uns 40 blogueiros na nota. Tem ainda o interessante desapreço das entidades representativas dos juízes e jornalistas pelo uso correto da norma culta da língua portuguesa – instrumento do qual tiram o pão de cada dia. Mas essa polêmica deixo para os linguístas (v. Novo Acordo Ortográfico) de plantão.
Fiz um breve levantamento (vulgo 'dei uma googlada') das últimas notas de repúdio emitidas pelo Sindjorn. É sintomático que tive de recorrer ao Google em busca dessa informação justo porque o site do Sindjorn encontra-se fora do ar e seu perfil no Twitter esteja inativo (ora, ora) desde que o STJ derrubou a obrigatoriedade do diploma, em 2009.
Localizei sete delas no período entre 2010 e 2011. Parece que a resposta à Amarn é a abrideira de 2012. Seis delas foram em defesa de jornalistas ameaçados ou cerceados durante o exercício profissional. Todos profissionais de veículos tradicionais da mídia (TV, rádio, jornal). A restante, e a mais justificada, sobre o assassinato do radialista caicoense F. Gomes.
Logo, a nota envolvendo Rosado e Galvão é a primeira da entidade em defesa de blogueiros, ou 'jornalistas digitais'. Antes dessa, apenas a nota de setembro de 2010 faz referência a episódio envolvendo Zenaide Castro do portal Nominuto.
Os três, jornalistas 'de verdade e de direito': o primeiro foi professor de 80% dos profissionais existentes na praça; Thaisa Galvão tem mais de 20 anos de trabalho nas costas e passou por grandes redações de Natal (e me perdoem aqui pelo paradoxo de emendar 'grandes' e 'Natal' na mesma sentença). Zenaide trabalhava numa empresa jornalística voltada para internet, criada e mantida por jornalistas formados.
No entanto, casos anteriores envolvendo blogueiros de menor porte e envergadura não mereceram atenção da entidade no mesmo período. Primeiro, tivemos em 2010 a agressão ao jornalista Alisson Almeida pelo colega de profissão Eugênio Bezerra, que à época ocupava uma subsecretaria na prefeitura da capital. Para além de uma rixa pessoal, houve uma motivação política no caso, devido às críticas recorrentes de Almeida à gestão da qual Bezerra fazia parte.
Outra situação em que o Sindjorn silenciou foi durante uma estranha perseguição sofrida pelo jornalista Daniel Dantas Lemos, este ano, após ele divulgar gravações referentes ao que ele próprio batizou como Caixa 2 do DEM, em que figuras proeminentes no atual Poder Executivo combinavam valores a pagar durante a campanha eleitoral de 2006.
Aqui, mais um adendo. O assunto, quentíssimo, inexiste na 'imprensa oficial' potiguar e parece ser de propriedade exclusiva da blogosfera. A única referência, torta, surgiu na Tribuna do Norte, porém o cerne da abordagem limitava-se a auto-defesa do Ministério Público sobre a natureza dos vazamentos. Sobre o caso em si, necas. No RN, ainda impera a lógica de 'se não saiu na Globo, não existe'.
Por fim, o Sindicato calou vergonhosamente sobre o assassinato do blogueiro Edinaldo Filgueira, no município de Serra do Mel. Independente de ser uma rixa partidária que passou para o plano pessoal, dá para acreditar que Filgueira teria sido assassinado se não usasse seu blog como veículo para suas opiniões e para informar, a seu modo, a população de sua cidade? Em que isso não seria jornalismo? Seria o fato de ele não trabalhar para um veículo? De não ter diploma? Isso não é um pouco menor do que o sacrossanto 'direito à informação e à liberdade de expressão'? Pois é.
Em que a morte de Edinaldo Filgueira é menor que a de F. Gomes?
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No geral, há, no clubinho dos profissionais da imprensa, uma visão negativa e excludente em relação aos blogs de cunho jornalístico e àqueles que os fazem mesmo sendo de fora da turma. No RN, essa animosidade contra o BG e o comportamento institucional do sindicato da categoria são indícios desse comportamento.
Talvez seja uma reação ao ambiente de instabilidade e incerteza instaurado pela explosão do acesso às redes digitais. O mais evidente deles é em relação à receita que mantém os veículos e paga o salário da galera. Se esse dinheiro for parar em outros cantos e se pulverizar, quem vai segurar a onda?
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O que se deveria realmente temer em relação à internet é a radicalização do fetiche da velocidade no trabalho jornalístico. A necessidade de se 'produzir conteúdo' cada vez mais rápido para alimentar blogs, portais e quetais vem matando a galinha dos ovos de ouro ideológico do jornalismo: o 'compromisso com a verdade dos fatos'.
Que fatos: aqueles repassados pela assessoria sobre um assunto que você nem entende, nem tem tempo de ir atrás de alguém que lhe explique o que significa? Ou aquele que explode na sua caixa de e-mail ou do outro lado do seu celular e que você precisa publicar o quanto antes, mas o ideal seria levantar seu rabinho da cadeira e dar uma volta para verificar a informação?
Retomando o gancho desse artigo, há algo no caso Sindjorn x Amarn algo que passou ao largo. Ricardo Rosado errou ao publicar o texto que motivou a primeira nota. Não porque tenha envolvido o tal juiz e sua mulher, até porque 90% desses caras do Judiciário são babacas empedernidos que se acham intocáveis (pena que não seja no sentido hindu do termo). Ele errou porque publicou primeiro para depois checar – ou como parece ser regra agora: abrir espaço para a outra parte se defender.
Apontar o erro é desumano, mas todo mundo erra. Durante o exercício da profissão, já matei até quem tava vivo – o que, convenhamos, é muito pior do que dar um tirinho de leve na reputação de um magistrado. Então, nenhuma vergonha sobre Rosado por isso. Mas é preciso entender que, dentro da lógica atual do mercado de notícias, o que ele fez foi bem justificável.
Afinal, era uma informação quente, que atingia indiretamente um player de peso nas próximas eleições (o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves) e que poderia muito bem, a qualquer momento, ser publicada por algum outro blogue com incontinência noticiosa. Além do mais, rendeu várias postagens posteriores com desmentidos e rementidos, e repercussão pesada na blogosfera potiguar.
Pena que, no caminho, estejamos deixando para trás a única coisa que justifica a nossa existência como campo profissional: a nossa ideologia para pegar bestas.
***
O mais engraçado de tudo? A única postagem que vi apontando o erro de Rosado foi no Blog do BG. O cara que não sabe escrever direito.
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
6.06.2012
Leituras - Wolfe - II
Vamos ao nosso segundo round.
***
WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
De qualquer modo, [Jimmy] Breslin fez uma descoberta revolucionária. Descobriu que era possível um colunista efetivamente sair do prédio, ir para a rua e fazer uma reportagem com suas próprias e legítimas pernas. [...] Por mais óbvio que pareça, esse sistema era algo inusitado entre colunistas de jornal, locais ou nacionais. Se é que é possível, colunistas locais são ainda mais patéticos. Em geral começam cheios de energia, soando como tremendos homens da rua e narradores, recontando em letra de imprensa todas as maravilhosas mots e anedotas que vêm babando no almoço durante os últimos anos. Depois de oito ou dez semanas, porém, começam a secar. [...] Estão sem assunto. Começam a escrever sobre coisas engraçadas que aconteceram em casa outro dia, gracinhas domésticas da Cara-Metade ou da moça da Avon, ou algum livro ou artigo fascinante que lhes deu o que pensar, ou alguma coisa que viram na televisão. Demos graças a Deus pela televisão! Sem os programas de televisão para canibalizar, metade dessa gente estaria perdida, totalmente catatônica. (p. 23-24)
Breslin tornou uma prática sua chegar ao local muito antes do evento principal, a fim de coletar material por trás das câmeras, o jogo da sala de maquiagem, que lhe permitia criar personagens. (p. 26)
***
Já trabalhou na imprensa? Então esse cenário não lhe é estranho. Vi muito isso - e como o jornalismo de coluna era previsível e enfadonho - na imprensa potiguar. Aqui, na Paraíba, como não tenho obrigação profissional de acompanhar os jornais locais, nem faço questão de observar. Apesar disso, é considerado o suprassumo em questão de status profissional. Seu nome tá lá todo dia, sendo louvado pelos seus pares, mas basta um pouco de semancol para se perceber que, para estar morto, só faltou o enterro.
O modus operandi de Breslin acabou virando uma regra de ouro do jornalismo criativo (ou literário, como queiram) - na verdade, todos os caras faziam isso, mas ele inovou ao levar a técnica para a coluna.
***
Os literatos ignoravam esse lado do Novo Jornalismo, porque faz parte das suposições da crítica moderna que esse material cru simplesmente está "lá". É "dado". [...] A noção moderna de arte é essencialmente religiosa ou mágica, e segundo ela o artista é visto como uma fera sagrada que, de alguma forma, grande ou pequena, recebe relances da divindade conhecida como criatividade. (p. 27)
É difícil explicar como era esse artigo. Era um bazar de quintal, esse texto... vinhetas, retalhos de erudição, trechos de memórias, breves explosões de sociologia, apóstrofes, epítetos, gemidos, risos, qualquer coisa que me viesse à cabeça, grande parte jogada de um jeito áspero e deselegante. [...] O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. [...] Era a descoberta de que era possível na não-ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência [...]. (p.28)
Gostava da ideia de deixar o leitor, via narrador, falar com os personagens, intimidá-los, insultá-los, provocá-los com ironia ou condescendência, ou seja lá o que for. Por que o leitor teria de se limitar a ficar ali quieto e deixar essa gente passar num tropel como se sua cabeça fosse a catraca do metrô? [...] Escrevia sobre mim mesmo na terceira pessoa, geralmente como um espectador perplexo ou alguém que estava no caminho, o que acontecia com frequência. [...] qualquer coisa para não aparecer o narrador de não-ficção comum, com voz velada, como o narrador de uma partida de tênis pelo rádio. (p. 31)
A voz do narrador, na verdade, era um dos maiores problemas na escritura de não-ficção. [...] O negócio era o understatement [discrição]. [...] o problema é que no começo dos anos 60 o undestatement havia se transformado numa verdadeira mortalha. [...] Isso nada tinha a ver com objetividade e subjetividade, ou com assumir uma posição ou "compromisso" - era uma questão de personalidade, de energia, de tendência, de bravura.... numa palavra, de estilo... (p. 32)
***
Wolfe fala descreve algumas técnicas literárias utilizadas em suas reportagens, mas antes retoma a questão da alteração no status quo promovida pelo Novo Jornalismo. O que chama a atenção é a quantidade de técnicas distintas encadeadas em textos relativamente curtos. Revela um certo maneirismo do autor, como aqueles músicos virtuoses que desfiam centenas de notas em questões de segundos.
A palavra que me vem à mente é bricolagem. Essas aspecto artesanal, de combinar elementos que estão à mão, esse bricoleur contemporâneo emprestado de Lévi-Strauss, como quer Traquina, são comuns tanto ao jornalista quanto ao autor cyberpunk, basta lembrar do motto do movimento: 'A rua encontra seus usos para a tecnologia'.
***
Eles estavam indo além dos limites convencionais do jornalismo, mas não apenas em termos de técnica. O tipo de reportagem que faziam aprecia muito mais ambicioso também para eles. Era mais intenso, mais detalhado e sem dúvida mais exigente em termos de tempo do que qualquer coisa que repórteres de jornais e revistas, inclusive repórteres investigativos, estavam acostumados a fazer. [...] Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os detalhes do ambiente. (p. 37)
***
Uma questão me veio lendo esse trecho. Vivemos numa época de ubiquidade dos dispositivos de comunicação. Os celulares, tablets, câmeras de segurança e quetais estão por toda parte. Os fatos de quase toda natureza podem facilmente cair no alcance do público a qualquer momento, muitas vezes por diferentes ângulos, com imagem e som. Nesse domínio audiovisual da informação, em que a imagem se propõe irrefutável (mesmo nãos endo), como tornar o texto relevante? Seria o resgate desse enfoque do Novo Jornalismo uma saída?
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WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
De qualquer modo, [Jimmy] Breslin fez uma descoberta revolucionária. Descobriu que era possível um colunista efetivamente sair do prédio, ir para a rua e fazer uma reportagem com suas próprias e legítimas pernas. [...] Por mais óbvio que pareça, esse sistema era algo inusitado entre colunistas de jornal, locais ou nacionais. Se é que é possível, colunistas locais são ainda mais patéticos. Em geral começam cheios de energia, soando como tremendos homens da rua e narradores, recontando em letra de imprensa todas as maravilhosas mots e anedotas que vêm babando no almoço durante os últimos anos. Depois de oito ou dez semanas, porém, começam a secar. [...] Estão sem assunto. Começam a escrever sobre coisas engraçadas que aconteceram em casa outro dia, gracinhas domésticas da Cara-Metade ou da moça da Avon, ou algum livro ou artigo fascinante que lhes deu o que pensar, ou alguma coisa que viram na televisão. Demos graças a Deus pela televisão! Sem os programas de televisão para canibalizar, metade dessa gente estaria perdida, totalmente catatônica. (p. 23-24)
Breslin tornou uma prática sua chegar ao local muito antes do evento principal, a fim de coletar material por trás das câmeras, o jogo da sala de maquiagem, que lhe permitia criar personagens. (p. 26)
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Já trabalhou na imprensa? Então esse cenário não lhe é estranho. Vi muito isso - e como o jornalismo de coluna era previsível e enfadonho - na imprensa potiguar. Aqui, na Paraíba, como não tenho obrigação profissional de acompanhar os jornais locais, nem faço questão de observar. Apesar disso, é considerado o suprassumo em questão de status profissional. Seu nome tá lá todo dia, sendo louvado pelos seus pares, mas basta um pouco de semancol para se perceber que, para estar morto, só faltou o enterro.
O modus operandi de Breslin acabou virando uma regra de ouro do jornalismo criativo (ou literário, como queiram) - na verdade, todos os caras faziam isso, mas ele inovou ao levar a técnica para a coluna.
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Os literatos ignoravam esse lado do Novo Jornalismo, porque faz parte das suposições da crítica moderna que esse material cru simplesmente está "lá". É "dado". [...] A noção moderna de arte é essencialmente religiosa ou mágica, e segundo ela o artista é visto como uma fera sagrada que, de alguma forma, grande ou pequena, recebe relances da divindade conhecida como criatividade. (p. 27)
É difícil explicar como era esse artigo. Era um bazar de quintal, esse texto... vinhetas, retalhos de erudição, trechos de memórias, breves explosões de sociologia, apóstrofes, epítetos, gemidos, risos, qualquer coisa que me viesse à cabeça, grande parte jogada de um jeito áspero e deselegante. [...] O que me interessava não era simplesmente a descoberta da possibilidade de escrever não-ficção apurada com técnicas em geral associadas ao romance e ao conto. [...] Era a descoberta de que era possível na não-ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência [...]. (p.28)
Gostava da ideia de deixar o leitor, via narrador, falar com os personagens, intimidá-los, insultá-los, provocá-los com ironia ou condescendência, ou seja lá o que for. Por que o leitor teria de se limitar a ficar ali quieto e deixar essa gente passar num tropel como se sua cabeça fosse a catraca do metrô? [...] Escrevia sobre mim mesmo na terceira pessoa, geralmente como um espectador perplexo ou alguém que estava no caminho, o que acontecia com frequência. [...] qualquer coisa para não aparecer o narrador de não-ficção comum, com voz velada, como o narrador de uma partida de tênis pelo rádio. (p. 31)
A voz do narrador, na verdade, era um dos maiores problemas na escritura de não-ficção. [...] O negócio era o understatement [discrição]. [...] o problema é que no começo dos anos 60 o undestatement havia se transformado numa verdadeira mortalha. [...] Isso nada tinha a ver com objetividade e subjetividade, ou com assumir uma posição ou "compromisso" - era uma questão de personalidade, de energia, de tendência, de bravura.... numa palavra, de estilo... (p. 32)
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Wolfe fala descreve algumas técnicas literárias utilizadas em suas reportagens, mas antes retoma a questão da alteração no status quo promovida pelo Novo Jornalismo. O que chama a atenção é a quantidade de técnicas distintas encadeadas em textos relativamente curtos. Revela um certo maneirismo do autor, como aqueles músicos virtuoses que desfiam centenas de notas em questões de segundos.
A palavra que me vem à mente é bricolagem. Essas aspecto artesanal, de combinar elementos que estão à mão, esse bricoleur contemporâneo emprestado de Lévi-Strauss, como quer Traquina, são comuns tanto ao jornalista quanto ao autor cyberpunk, basta lembrar do motto do movimento: 'A rua encontra seus usos para a tecnologia'.
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Eles estavam indo além dos limites convencionais do jornalismo, mas não apenas em termos de técnica. O tipo de reportagem que faziam aprecia muito mais ambicioso também para eles. Era mais intenso, mais detalhado e sem dúvida mais exigente em termos de tempo do que qualquer coisa que repórteres de jornais e revistas, inclusive repórteres investigativos, estavam acostumados a fazer. [...] Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os detalhes do ambiente. (p. 37)
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Uma questão me veio lendo esse trecho. Vivemos numa época de ubiquidade dos dispositivos de comunicação. Os celulares, tablets, câmeras de segurança e quetais estão por toda parte. Os fatos de quase toda natureza podem facilmente cair no alcance do público a qualquer momento, muitas vezes por diferentes ângulos, com imagem e som. Nesse domínio audiovisual da informação, em que a imagem se propõe irrefutável (mesmo nãos endo), como tornar o texto relevante? Seria o resgate desse enfoque do Novo Jornalismo uma saída?
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
6.01.2012
Leituras - Wolfe
Dois meses e meio sem dar as caras por aqui. Muitas leituras, muita preguiça, uma dengue e falta do que dizer a vocês, meus quatro leitores do coração, motivaram essa ausência.
Porém, o fato de ainda não ter nada a dizer-lhes, não significa que outros caras não possam mandar aquele plá. Seguem uns trechos de coisas que li - e alguns comentários a título de ilustração.
***
WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Todo mundo conhece uma forma de competição entre repórteres de jornal, a competição pelo furo jornalístico. Repórteres de furo competiam com suas contrapartidas em outros jornais, ou nas agências de notícias, para ver quem conseguia primeiro uma matéria e escrevia mais depressa; quanto mais importante a matéria - isto é, quanto mais ela tivesse a ver com o poder ou com catástrofes -, melhor. [...] Mas havia também aquela outra turma de repórteres... Esses tendiam a ser conhecidos como "escritores de reportagens especiais". (p. 13)
"Reportagens especiais" era a expressão jornalística para uma matéria que escapava à categoria da notícia pura e simples. Abrangia tudo, desde pequenos fatos "divertidos", engraçados, geralmente do movimento policial... [...] até "histórias de interesse humano", relatos longos e geralmente hediondamente sentimentais sobre almas até então desconhecidas colhidas pela tragédia ou sobre hobbies estranhos dentro da área de circulação da folha... Em todo caso, as reportagens especiais davam ao sujeito certo espaço para escrever. (p. 13)
***
Ligações evidentes aqui com os traços sociais e ideológicos do campo jornalístico apontados por Nelson Traquina em Teorias do Jornalismo - vol. 2: A tribo jornalística, como a glamourização do furo promovida pelo imediatismo que norteia a profissão.
Esse mesmo imediatismo promove a valorização daqueles que desempenham melhor os saberes práticos necessários. Ainda que a definição sobre o que seja a notícia continue nebulosa entre os profissionais, como aparece no texto de Wolfe (fragilidade observada por Traquina), a reportagem especial busca fugir àquilo que Traquina chamou de valores-notícia - que tendem a mobilizar os outros setores da redação.
Mais à frente, Wolfe explica que, ainda que o valor do furo não estivesse em disputa nas relações de status dos repórteres 'especiais', havia sim competição entre eles, baseada na qualidade ou no exotismo do relato. Aqui, levava-se em consideração valores ideológicos da profissão, como o do sacrifício pela notícia.
***
E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa ideia nova, quente o bastante para inflamar o ego, começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance. (p. 19)
***
Olha que legal. Os anos 60, como sabemos, marcaram a explosão do movimento hippie, em que, pela primeira vez, a contracultura se tornava um movimento de massas. Essa revolução de costumes e suas consequências serviram como tema e, também, motor do chamado 'Novo Jornalismo'. Esse grupo de repórteres vai encontrar nesse contexto vasto material humano para suas reportagens. Vários exemplos comprovam essa afirmação: The kandy-colored tangerine-flake streamline baby (Wolfe), Hell's Angels, Fear and loathing in Las Vegas (Thompson), Dispatches (Herr e a Guerra do Vietnã psicodélica), as reportagens de Didion.
Essa valorização da reportagem como literatura, a apropriação do romance pelo gênero jornalístico e a alteração da balança do status quo numa área numa expressão artística em que a reportagem sequer era considerada - por sua vez - apresentam forte influência contracultural. O questionamento às autoridades (no caso, ao status quo) e a democratização da informação (ao se apropriar e legitimar o uso de técnicas literárias para uma atividade considerada não-literária, como o jornalismo) são traços claros da contracultura apontados por Goffman & Joy em Contracultura através dos Tempos.
Porém, o fato de ainda não ter nada a dizer-lhes, não significa que outros caras não possam mandar aquele plá. Seguem uns trechos de coisas que li - e alguns comentários a título de ilustração.
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WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Todo mundo conhece uma forma de competição entre repórteres de jornal, a competição pelo furo jornalístico. Repórteres de furo competiam com suas contrapartidas em outros jornais, ou nas agências de notícias, para ver quem conseguia primeiro uma matéria e escrevia mais depressa; quanto mais importante a matéria - isto é, quanto mais ela tivesse a ver com o poder ou com catástrofes -, melhor. [...] Mas havia também aquela outra turma de repórteres... Esses tendiam a ser conhecidos como "escritores de reportagens especiais". (p. 13)
"Reportagens especiais" era a expressão jornalística para uma matéria que escapava à categoria da notícia pura e simples. Abrangia tudo, desde pequenos fatos "divertidos", engraçados, geralmente do movimento policial... [...] até "histórias de interesse humano", relatos longos e geralmente hediondamente sentimentais sobre almas até então desconhecidas colhidas pela tragédia ou sobre hobbies estranhos dentro da área de circulação da folha... Em todo caso, as reportagens especiais davam ao sujeito certo espaço para escrever. (p. 13)
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Ligações evidentes aqui com os traços sociais e ideológicos do campo jornalístico apontados por Nelson Traquina em Teorias do Jornalismo - vol. 2: A tribo jornalística, como a glamourização do furo promovida pelo imediatismo que norteia a profissão.
Esse mesmo imediatismo promove a valorização daqueles que desempenham melhor os saberes práticos necessários. Ainda que a definição sobre o que seja a notícia continue nebulosa entre os profissionais, como aparece no texto de Wolfe (fragilidade observada por Traquina), a reportagem especial busca fugir àquilo que Traquina chamou de valores-notícia - que tendem a mobilizar os outros setores da redação.
Mais à frente, Wolfe explica que, ainda que o valor do furo não estivesse em disputa nas relações de status dos repórteres 'especiais', havia sim competição entre eles, baseada na qualidade ou no exotismo do relato. Aqui, levava-se em consideração valores ideológicos da profissão, como o do sacrifício pela notícia.
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E, no entanto, no começo dos anos 60, uma curiosa ideia nova, quente o bastante para inflamar o ego, começou a se insinuar nos estreitos limites da statusfera das reportagens especiais. Tinha um ar de descoberta. Essa descoberta, de início modesta, na verdade, reverencial, poderíamos dizer, era que talvez fosse possível escrever jornalismo para ser... lido como um romance. (p. 19)
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Olha que legal. Os anos 60, como sabemos, marcaram a explosão do movimento hippie, em que, pela primeira vez, a contracultura se tornava um movimento de massas. Essa revolução de costumes e suas consequências serviram como tema e, também, motor do chamado 'Novo Jornalismo'. Esse grupo de repórteres vai encontrar nesse contexto vasto material humano para suas reportagens. Vários exemplos comprovam essa afirmação: The kandy-colored tangerine-flake streamline baby (Wolfe), Hell's Angels, Fear and loathing in Las Vegas (Thompson), Dispatches (Herr e a Guerra do Vietnã psicodélica), as reportagens de Didion.
Essa valorização da reportagem como literatura, a apropriação do romance pelo gênero jornalístico e a alteração da balança do status quo numa área numa expressão artística em que a reportagem sequer era considerada - por sua vez - apresentam forte influência contracultural. O questionamento às autoridades (no caso, ao status quo) e a democratização da informação (ao se apropriar e legitimar o uso de técnicas literárias para uma atividade considerada não-literária, como o jornalismo) são traços claros da contracultura apontados por Goffman & Joy em Contracultura através dos Tempos.
Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.
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