Quem sou eu

Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.

3.20.2012

Sobre o Caso Andréia


Natal está mobilizada – ou pelo menos, a imprensa natalense está -, por estes dias, pelo julgamento do que se convencionou chamar de ‘Caso Andreia’, uma macabra historia policial sobre um oficial das Forças Armadas que matou a esposa e ocultou o cadáver dela no quintal da casa dos pais há cerca de cinco anos.

Este caso daria um interessante estudo sobre como os veículos se pautam, ou se deixam pautar, uns pelos outros e também sobre o impacto do jornalismo de internet na imprensa natalense. E, sobre esse assunto em particular, tenho um pequeno depoimento.

No ano em que aconteceu a merda, eu trabalhava no Nominuto.com, um portal de notícias, como gostava de chamar nosso diretor e chefe, Diógenes Dantas, um jornalista se aventurando na turbulenta função de empresário da comunicação.

Natal já tivera antes um site voltado para conteúdo jornalístico, o Cabugi.com, ou .net, não lembro ao certo. Sei que funcionou ali por volta de 1999-2000, porque foi quando entrei na universidade e alguns amigos, como Aristeu Araújo, fizeram parte da primeira leva de estagiários do empreendimento. A questão é que, naquela época, a internet ainda estava engatinhando na cidade e a coisa não andou muito bem.

Pois bem, pula aí uns seis anos e, quando surgiu o Nominuto.com, foi uma loucura, principalmente nas outras redações. O fetiche pelo imediatismo que é o cerne da atividade jornalística fez com que o site virasse um frisson entre os profissionais. Isso porque o troço era realmente muito ligeiro para publicar o que vinha acontecendo na cidade, principalmente frente aos veículos impressos – e anos-luz mais ágil que os sites dos jornalões da cidade também.

Lembro muito bem como começou o ‘caso Andreia’. Era um feriado e estávamos num ingrato plantão de um dia bem morto. Eu fazia cultura, então tava cascaviando festas e shows (valia até enterro) pra movimentar a timeline do portal. Nosso repórter de polícia (outra novidade do portal foi resgatar uma editoria específica para o tema, prática que havia sido abolida pelos outros veículos quando os leitores começaram a se resumir às classes A e B) era Fred Carvalho e também tava num dia péssimo para ele – e ótimo para a humanidade, em contrapartida.

Fred sempre foi, aos meus olhos, uma espécie de fenômeno da natureza: era a prova contumaz de que um bom repórter não precisa necessariamente ser também um intelectual (e isso não é nenhum demérito, eu só achava aquilo muito esquisito). Mas, como dizem os hypes de hoje, aquele dia foi foda.

Daí, sai da sua sala Diógenes com aquela cara de que vai dar um esporro em alguém. Tudo parado. E vai pra cima de Fred. Ao perceber que a coisa tá feia, Diógenes pegou um jornal do dia (não lembro se uma Tribuna do Norte ou Jornal de Hoje) e apelou: “Não tem nada aqui que dê pra gente desdobrar, achar outro ponto de vista, correr atrás, não?”

“Diógenes, tudo que tem aí a gente já deu. E a ronda não tem nada”, respondeu o gordo. (O diálogo é puramente ficcional, você não vai querer fidelidade ao fato a uma altura dessa do campeonato, né?)

“E isso aqui?”, e apontou para uma notinha, pouco mais de cinco linhas, sobre o desaparecimento de uma dona de casa em Cidade Verde. “A gente não deu isso aqui. Vamos atrás.”

Bom, meio a contragosto, o Fred foi lá e fez uma matéria que não acrescentava muito além do que já se sabia. Mas, Diógenes não ficou satisfeito. Insistiu para que fossem publicadas mais matérias, que fôssemos à casa da mulher pra falar com a família. “Tem algo de estranho nessa história”, insistia. E o Fred, de início a contragosto, fez a parte dele. Acabou, pelas tantas, localizando a família da moça em outro estado. E começaram, se não me engano, a levantar suspeitas sobre a versão apresentada pelo marido.

Nisso, o feriado já tinha passado e o fim de semana que veio logo depois também. Na segunda-feira, acho que ainda publicamos alguma coisa sobre o assunto. Na terça, era o pandemônio. Todos os jornais da cidade, com muito, pouco ou algum destaque, entraram de cabeça na cobertura. E aí, já viu. Saiu no impresso, todas as tevês correm atrás.

O resto todo mundo que trabalhava em redação na época sabe como foi. Mas para mim, do episódio todo, ficou a lembrança de um faro para uma notícia que todo mundo tinha ignorado, por parte do meu ex-chefe, e da perseverança de um colega que, mesmo sem acreditar na pauta, arrancou dela o que podia, até que tudo se tornasse um circo midiático como poucos que pude acompanhar durante meu período em veículos de comunicação.

***

Não quero, com esse texto, desmerecer o esforço de apuração de outros colegas que participaram da cobertura do caso -  que certamente levantaram informações inéditas e importantes, cada qual em seu veículo.

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