Quem sou eu

Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.

4.28.2017

I love you, Caicó

Existe o centro de João Pessoa e existe o epicentro de João Pessoa. Muita gente confunde. Um fica nos arredores da lagoa. O outro fica no Mofado’s Bar. Apenas no Mofado, por exemplo e obséquio, você poderia conhecer alguém como Mateus, o argentino que viveu por três semanas em Caicó.

Mateus saiu dos pampas acreditando em peace, love and malabares – e resolveu ser artista de rua. Um plano de vida que inclui cair na estrada e perigas ver. Nesse rolé troncho, foi bater em Caicó.

Os fracos não têm vez em Caicó. Lá, dois em cada um habitante abre mão de ser normal. Muito normal em termos de Seridó. Caicó só não tem muito treino com doido que fica no sinal jogando coisa pra cima. Até Mateus chegar.

Artista de rua depende do povo. Em Caicó, tem doido pra tudo. Mateus foi um sucesso.  O lance de Mateus é simples, coragem às vezes fala mais alto que habilidade, apesar de um bom artista contar com doses generosas das duas. Caicó, ele percebeu logo, tinha um ponto dos sonhos: a BR 427, que vem de  Jardim do Seridó em direção a Pombal, unindo os dois Seridós. Carro pra lá e pra cá. Virado na porra.

E Mateus lá, no sinal, jogando os malabares pro alto. Ganhou uma grana boa, logo de saída. Foi no mercado central, do lado, e comprou o que quis: biscoito, iogurte, queijo (“caro pra caralho”, segundo ele, mas certamente manteiga ou coalho). Trocou umas moedas e veio o primeiro susto. Em vez dos dezesseis contos em espécie, recebeu uma “nota”, como ele me disse, ou o famoso recibo, um papel assinado pelo dono da cantina atestando o valor.  De posse do documento, Mateus alugou um quarto em Caicó, esse legítimo paraíso pós-capitalista.

Porém, vida de artista não é moleza, vide a do autor destas linhas, que nada receberá por elas. Então nosso herói resolveu procurar um canto para armar sua barraca. Foi quando ele descobriu a ilha de Sant’Ana. Pra quem não sabe, a Ilha de Sant’Ana é um Xangri-lá, um Hy-Brasil, observando Caicó da altura dos séculos e pensando: “Que diabo é dez?”

Foi lá onde Mateus armou sua barraca, num dos palcos que vira e mexe agitam o animado São João da cidade ou a festa da padroeira. Mas quando eu digo no palco, era no palco mesmo. Em cima, protegido de chuva e vento ruim. A intimidade era tanta que Mateus sabia onde ficavam os disjuntores que controlavam as luzes da estrutura, e as desligava quando era hora de ir pra cama.

De manhã sempre tinha uma escola levando a meninada pra conhecer o pedaço e as professoras ofereciam um mamão ou um cuscuz. Mas cuscuz do que mamão, tá ligado. Um suquinho de fruta e uns cigarrinhos de artista também que ninguém é de aço inox. Mateus até foi convidado para se apresentar numa delas.

De todas as cidades potiguares, Caicó foi a melhor (apesar de eu ter achado ele meio sem critérios, porque me disse que gostou muito de Mossoró também). Mateus amou Caicó. Mas também o bicho é cagado, vejam só: num dos dias, em frente ao farol, o tempo fechou. Mateus tava lá, fazendo sua arte no sinal, quando começou a chover. Encantado com aquilo tudo, o motorista fez o que qualquer faria diante de um mago: baixou o vidro e mandou aquela nota de vinte reais. That’s Caicó.

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