Quem sou eu

Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.

12.21.2012

lábias que beijei


Poema da boca
(inútil chamá-lo de outro nome
este será sempre o poema da boca)

para uma breve boca

o rascunho do desejo
rabisca a boca inacabada

a língua, trêmula, sonha
com outra língua, impossível

e essa tua boca tão próxima,
disponível

ah, inacessível boca
inexpugnáveis lábios
intransponíveis dentes
sólidas salivas

(tão pouca boca para tanto desejo)

o desejo, humilhado,
se dá por vencido

lábios ansiosos delimitam a carnificina
que se anuncia:
abertura inicial, orifício sem data, cavidade superior,
cabo das tormentas, escarpa lisa, istmo do panamá, ventos
elísios, terra do fogo, fenda úmida, caminhos para as índias,
cumes elevados, estreito de gibraltar, nascente pra dentro,
carne inútil, sombra furiosa, sulco erótico, secreção labial,
cratera rubra, rio sem margem, escavação lingüística,
passagem de nível, vulcão de vapores, rachadura cósmica,
buraco das araras, caverna mágica, península contrária,
geleira intransponível, curativo falante, nuvem de carnes,
abismo colossal, pico de luz, planta carnívora, furacão, vale
encharcado, vereda úmida, falha geológica na cordilheira da
face, falsa falésia, pétala carnuda, vulva superior

boca proibida, cara lambida,
poema destrambelhado, ladeira abaixo

(eu quero é me afogar nesse
pântano de cuspes)

tua boca me deve um beijo,
a boca ri, marota
a boca ri, safada

(o poema da boca se fecha em si mesmo)

***

esse poema é de nicolas behr, mas, na falta de um mimeógrafo, agora é da gente também. 

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