Quem sou eu

Jornalista e pesquisador de histórias em quadrinhos, dividido entre Natal e João Pessoa por tempo indeterminado.

1.23.2013

Dois zines


O fanzine não morreu, nem virou outro bicho – ele apenas vai ali, dá um tempo, e volta. E quando volta, que maravilha!

Por estes dias, num espaço de mais ou menos um mês, pude conferir o lançamento de dois zines que atestam a longevidade – e a vontade de viver – desse tipo de publicação. Antes só um aviso: vão rolar uns comentários a seguir bem no estilo street fighting man, sem compromissos. Para leituras mais cabeçudas sobre fanzines, recomendo você procurar o livro do Henrique, o do Edgard e o organizado pela Cellina.

Capa do zine "tr3sdoi2", editado
pelo Alfredo Albuquerque
O 'Tr3sdoi2 – literatura, HQ, design, humor', do Alfredo Albuquerque, foi lançado lá em João Pessoa, durante a 1ª Convenção Paraibana de Quadrinhos. A viagem do Alfredo foi navegar pela internet, procurando coisas bacanas, reuniu tudo, juntou textos dele também (que ninguém é de ferro),  imprimiu e mandou bronca. E ficou massa.

Primeiro, os quadrinhos. Tão lá Guga Schultze e Lor, cada um com uma tirinha e um cartum. Lor tem uma pegada meio Laerte de sindicato – e, por favor, ser comparado ao Laerte não é demérito para ninguém. Já Schultze surpreende nos cartuns sobre Beatles e Luiz Gonzaga, com um traço grotesco e sujo deveras interessante. E tem ainda um artigo do Moebius sobre desenhos eróticos que dispensa comentários.

As poesias de Luciane Gasperis me chamaram pouca atenção, fora os versos finais de 'sincronicidade':

agora no meu campo de visão somente 16 bonecas
para serem decapitadas: uma a cada 30 minutos de
espera. é possível que sobrem algumas se tudo
correr bem. Que sorte.

Já a prosa está bem em campo com os contos 'muito lindo o carinha' de Letícia Palmeira e 'estranhos em terra estranha', de Alfredo Albuquerque.

Sintam o drama do apuro gráfico do "tr3sdoi2"
Aliás, que conto o do Alfredo. Uma história de canibalismo com uma pegada bem 'Os Livros de Sangue', do Clive Barker, umas duas ou três construções que eu não usaria, mas no final um resultado bem acima da média.

O que chama a atenção na iniciativa de Albuquerque é que a tecnologias digitais não precisam necessariamente ser o inimigo vindo do estrangeiro que matou nosso amigo, o fanzine. O apuro técnico do Tr3sdoi2, com seu projetinho gráfico bem definido e agradável de ler e manusear, aponta como o computador pode quebrar aquele galho para quem quiser montar sua própria publicação – nesse caso, ajuda pra caralho manjar desse lance de design para impressos, como o Albuquerque mostra em seu trabalho. Aliás o diálogo com o mundo digital começa já na seleção dos textos. Um mamão lava a outra.

***

Capa do 'Com Carinho': simplesmente foda
o detalhe do arame da encadernação
Que me perdoem Abimael Silva e Carlos Fialho, mas o principal lançamento editorial potiguar de 2012 partiu de dois moleques punheteiros sem grana pra comprar um grampeador.


Pelo menos é o que querem nos fazer crer Beto Leite e Ramon Ribeiro, filhotes desgarrados da revista Catorze com o zine Com Carinho, lançado durante a Virada Cultural Internacional da Rua Chile, no ano passado.

Projeto gráfico tosco-conceitual, na ida e na volta
Tudo em Com Carinho é tosco: do papelão grosso à tipografia dos créditos, passando pelos desenhos e a encadernação feita com pedaços de arame entortados na base do alicate. Mas não se engane: há uma certa sofisticação à Joãozinho Trinta por trás de tanto descuido.

É um plano maquiavélico, explicitado na página de abertura:

“Você faz uma busca por rabiscos guardados em gavetas e cadernos velhos da faculdade. Você junta aquilo tudo. Faz uma bola de papel amassado. Perto da barata morta. A bola cai no chão. Você levanta chateado. Apanha aquela tralha. A barata. E com ela na palma da mão, o estalo. Aquela vontade de fazer um fanzine. A vontade que nunca some. Que vai e vem. Como os mendigos da rua, a prostituta da esquina e o urubu no céu. Que se aproxima e pousa na janela do quarto.”

Mas essa vontade louca não é só tempestade e ímpeto: todo o desleixo, o papel meticulosamente amassado e rasgado a mão, os desenhos mal acabados de colorido borrado fazem de 'Com Carinho' um zine-conceito, cuja própria manufatura dialoga com sua proposta poética marginal, falsamente naïf.

Os textos, todos eles, levam a sério a intenção ‘visceral’ de seus autores: é no corpo que tudo se resolve, seja o sexo, a fome, a violência ou, quem sabe, o tédio aquilo que move os personagens.

Um achado.

Um comentário:

hugomorais disse...

Tomando uma eles confidenciaram todas as Playboys que punhetaram. Mas revelaram mesmo que gostavam daquelas fotonovelas em preto e branco.